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A Hanseníase é uma doença infectocontagiosa, quase tão antiga quanto a história da humanidade. Também conhecida como Lepra ou Mal de Lázaro, ainda é marcada por estigmas que remontam a um imaginário tão antigo quanto a própria moléstia.  Através da sua contextualização histórica e das transformações nas estratégias adotadas no enfrentamento da enfermidade, ao longo do tempo, buscamos apresentar marcas que ela deixou em nossa sociedade. Um processo que acarretou na segregação de indivíduos, num período de isolamento compulsório, justificado por políticas de contenção. Apesar de hoje ela ter tratamento e cura, o estigma ainda faz parte do imaginário popular, dificultando o enfrentamento da doença. Neste sentido o Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul apresenta a exposição virtual “Estigma e isolamento: A Hanseníase no Rio Grande do Sul”, retratando a história desta moléstia, educando para a saúde e, assim, colaborando com a desmistificação e com o fim do preconceito secular.

Castigo divino:  a Hanseníase na Idade Média

No período medieval, atribuía-se a causa da doença ao castigo divino, um sinal visível na pele de uma alma corroída pelo pecado. Os acometidos pela doença eram obrigados a usar manto, luvas e grande chapéu, para dissimular as deformidades, devendo carregar sinos ou matracas para anunciar sua presença e eram impedidos de entrar em diversos espaços, como as Igrejas.  Como não havia tratamento ou cura, a solução encontrada foi afastar os “impuros” condenando os doentes ao exílio, expulsando-os do meio em que viviam.

A descoberta da bactéria causadora da Lepra

Em 1847 os médicos Daniel Cornelius Danielssem e Carl Wilhem Boeck estabeleceram características da doença, acreditando que a mesma era hereditária, não descartando a sua relação com condições desregradas e anti-higiênicas de vida. Já em 1873, a bactéria Micobacterium leprae, causadora da doença, foi identificada por Gerhard Armauer Hansen, demonstrando que a mesma não era hereditária ou proveniente de castigo divino, emergindo novas ações de controle da doença: o isolamento do doente como controle, persistindo o preconceito e a exclusão social dos portadores.

A origem da palavra “Lepra” advém da Antiguidade, instituída por Hipócrates, para descrever manchas brancas na pele e no cabelo, que se assemelhavam a escamas (léprêã).

No Brasil, passa a denominar-se Hanseníase na década de 1970, como homenagem ao Hansen. Em países como o Japão, Inglaterra, Alemanha, França e Espanha, por exemplo, passou a se chamar oficialmente Doença de Hansen.

O que é a Hanseníase?

Doença causada pela bactéria Micobacterium leprae, ou bacilo de Hansen. Ela afeta a pele e nervos sendo responsável pelo estigma e discriminação dos infectados. Sua transmissão ocorre pelo ar, mas é necessária uma exposição prolongada para que ela aconteça e a doença pode demorar até 7 anos para se manifestar. Seus sintomas são manchas que ficam insensíveis à temperatura e à dor. As áreas mais afetadas são as extremidades das mãos e pés, rosto, orelhas, tronco e nádegas. Também ocorre febre, queda de pelos, formigamento, dor e sensação de choque e fisgadas. Mãos e pernas inchados, com possibilidade de úlceras e redução na força dos músculos destes membros e face. Pode apresentar caroços avermelhados e dolorosos, nariz com sangramento, ressecado e com feridas e olhos ressecados.

As políticas de profilaxia da Lepra no Rio Grande do Sul

No Brasil, no início do século XX as políticas públicas para profilaxia da Lepra transformam-se em questão sanitária nacional, através da utilização de um modelo de tratamento fundamentado no confinamento compulsório, a partir de 1925.  A organização da profilaxia da Lepra no Estado compreendia a Direção Geral, que coordenava dois grandes grupos: A Divisão Técnica - responsável pela propaganda, pela educação sanitária e recenseamento,  ligada aos Dispensários Central e os do Interior, os Centros de Saúde, os Postos de Higiene, responsáveis pela vigilância, pelos exames e pelo tratamento dos doentes;  e a Divisão de Assistência Médico Social - auxiliada pela cooperação privada da Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra Lepra, responsável pelo isolamento dos doentes e pelo cuidado com os filhos e as famílias dos internados.

 

Na década de 1930, com a Campanha Nacional Contra a Lepra, estimulou-se a construção de novos espaços para os doentes, fundamentada pelo modelo de hospital-colônia, cujo objetivo central era isolar o doente.

 

Em Porto Alegre (RS), em 1936 inaugura-se do Hospital de Emergência para Leprosos, junto ao Hospital de Isolamento São José, buscando amenizar o fato de o Estado não contar ainda com um hospital específico para hansenianos. O Departamento Estadual de Saúde foi criado em 1938. 

Número Consagrado ao Problema da Lepra. Archivos Rio-Grandenses de Medicina, volume VII, n. 8 e 9 - agosto e setembro de 1928.

Acervo digital MUHM

Relatório do Departamento Estadual de Saúde 1941, apresentado à Oswaldo Cordeiro de Farias pelo Dr. José Bonifácio Paranhos da Costa, diretor Geral, 1941 (p. 204 a 208)

Acervo digital MUHM

A questão da Lepra no Rio Grande do Sul. Relatório apresentado a Sociedade de Medicina de Porto Alegre, em setembro de 1927, pelo Dr. E. von Bassewitz.  Archivos Rio-Grandenses de Medicina, volume VII, n. 8 e 9 - agosto e setembro de 1928, p. 1-11.

Acervo digital MUHM

A filantropia e a criação de um Hospital para Leprosos

No Rio Grande do Sul, um grupo de mulheres da elite realizaram diversas atividades beneficentes buscando a construção de um hospital para atender os acometidos pela doença. Em 1936 foi adquirida a fazenda em Itapuã, no município de Viamão (RS). O local, às margens da Lagoa Negra, possuía poucos habitantes e acesso difícil. A perspectiva do período era de afastamento dos doentes das áreas urbana. O Governo do Estado assumiu o compromisso com a manutenção do local, iniciando as obras do Leprosário em 1937.

A Sociedade Beneficente Pró-leprosário Riograndense foi criada em Santa Cruz do Sul (RS) em 1924, buscando fundar um leprosário no Estado. Comprou, em segredo, um terreno no bairro Belém Velho que, na época, constituía-se em um arrabalde rural. Como não foi utilizado para a Construção do Leprosário, em 1940, ali instalou-se o Amparo Santa Cruz. A idéia era transferir os doentes sem o conhecimento dos moradores da região, então ocupado por alguns poucos habitantes. Em 1934, foi organizada a Sociedade Riograndense aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, tendo como presidente a Sra. Luiza de Freitas Vale Aranha.

O Hospital de Isolamento São José e a criação do Hospital de Emergência para Leprosos

Localizado na Estrada do Mato Grosso, atual Avenida Bento Gonçalves, o hospital de Isolamento São José foi construído em 1908, para tratar de moléstias epidêmicas e contagiosas. Em 1926, a Diretoria de Higiene adaptou dois pavilhões do Hospital para os leprosos indigentes. Em 1936, foi inaugurado o Hospital de Emergência para Leprosos, no terreno do Hospital de Isolamento São José, para atender aos doentes que perambulavam pela capital e necessitavam de isolamento.

 

A estrutura do Hospital de Emergência

O Hospital de Emergência foi inaugurado com cinco pavilhões, sendo: refeitório, pavilhão de serviços médicos, lavanderia, três residências particulares, capela e forno de incineração. Logo passou por ampliações, construindo-se mais um pavilhão, cinco casas particulares, armazém, chuveiros coletivos, jardins e horta. Sua equipe contava com um médico-chefe, um oftalmo-otorrinolaringologista, um dentista, dois enfermeiros sadios e dois enfermeiros doentes, além do auxílio das Irmãs Franciscanas e de doentes que exerciam atividades remuneradas, como copeiros, lavadeiras, pedreiros e jardineiros. 

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