BENEFICÊNCIA E MEDICINA:
A SOCIEDADE PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA DE PORTO ALEGRE E SEU HOSPITAL
A Sociedade Portuguesa de Beneficência de Porto Alegre, fundadora do Hospital Beneficência Portuguesa, completa 168 anos de existência em 2022. Esta instituição integra a história assistencial da capital gaúcha e está presente em diferentes momentos da vida de sua população.
O Hospital Beneficência Portuguesa, inaugurado em 1870, é a segunda instituição hospitalar mais antiga de Porto Alegre, após a Santa Casa de Misericórdia. Seu prédio histórico é ocupado atualmente pelo Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul, consolidando-se como um espaço da memória médica e da saúde do Estado.
A exposição virtual busca reconstruir a trajetória da instituição e revelar aspectos sociais e de assistência à saúde que ocorreram nas décadas iniciais de sua existência.
Para saber mais: clique nas palavras grifadas em verde e descubra outras informações sobre a história do Hospital Beneficência Portuguesa.
AS BENEFICÊNCIAS NO BRASIL: UMA LONGA HISTÓRIA
Após a Independência do Brasil em 1822, os imigrantes portugueses sentiram-se abandonados pelo poder público. Isto levou a sociedade lusa a se articular e promover o surgimento de associações de caráter assistencial em prol dos compatriotas. As primeiras Sociedades Portuguesas de Beneficência no Brasil surgiram em meados do século XIX.
Essas sociedades beneficentes organizaram-se de várias formas: algumas permitiam apenas portugueses e descendentes diretos como sócios, outras aceitavam em seus quadros brasileiros natos e membros de outras etnias.
Tinham como intuito amparar seus membros através de auxílios conhecidos como “socorros”. Os auxílios poderiam ser benefícios em períodos de inatividade por doença ou acidente; auxílio para funeral; assistência médica e farmacêutica; assistência jurídica; auxílio para viagem por motivo de saúde; pagamento de fianças para o exercício de atividades profissionais ou para contratação de aluguel de residência e pequenos empréstimos.
A PRIMEIRA BENEFICÊNCIA: REAL E BENEMÉRITA SOCIEDADE PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA DO RIO DE JANEIRO
A primeira instituição do gênero em território brasileiro foi fundada em 1840, no Rio de Janeiro, por José Marcelino da Rocha Cabral. Recebeu o nome de Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência do Rio de Janeiro.
Por 18 anos, a Sociedade trabalhou para angariar fundos e criar um hospital para atender seus sócios. Finalmente, o Hospital de São João de Deus foi inaugurado em 16 de setembro de 1858.
Fonte: RABAÇA, Carlos Alberto (Org.) De Pai Para Filho: Imigrantes Portugueses no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Documenta Histórica, 2010, p. 45.
RABAÇA, Carlos Alberto (Org.) De Pai Para Filho: Imigrantes Portugueses no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Documenta Histórica, 2010, p. 54
Acervo MUHM
Fonte: RABAÇA, Carlos Alberto (Org.) De Pai Para Filho: Imigrantes Portugueses no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Documenta Histórica, 2010, p. 45.
A SOCIEDADE PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA
DE PORTO ALEGRE
A ideia da criação de uma Sociedade Portuguesa de Beneficência na capital da antiga Província do Rio Grande do Sul contou com o apoio do Vice-cônsul de Portugal, António Maria do Amaral Ribeiro.
No dia 26 de fevereiro de 1854, na sala de sessões da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, foi criada a Sociedade Portuguesa de Beneficência de Porto Alegre. Uma das primeiras sociedades de socorros mútuos da Província do Rio Grande de São Pedro. Antes do hospital ficar pronto, seus sócios recebiam atendimento Santa Casa, em convênio firmado com a Sociedade.
O PRIMEIRO LOCAL DE TRATAMENTO
Na administração do Presidente da Sociedade, Domingos José Lopes, em 1858, foi adquirido o primeiro local para atendimento e tratamento dos sócios na Rua da Figueira (atual Coronel Genuíno). O Dr. João Pires Farinha foi o responsável pelo atendimento inaugural em 31 de janeiro de 1859. Tornou-se evidente a necessidade de um prédio maior, devido, principalmente, ao aumento no número de associados. Recursos provenientes dos associados, doações, legados e empréstimos, foram utilizados na construção de um local mais adequado para esta finalidade.
Acervo digital MUHM
Acervo digital MUHM
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A SEDE DO NOVO HOSPITAL
Em 1867, o Dr. Dionísio de Oliveira Silveiro doou o terreno para a Sociedade Portuguesa de Beneficência de Porto Alegre para a construção do prédio do hospital, situado no Caminho da Aldeia, também conhecido como Estrada dos Moinhos de Vento. Mais tarde esta via foi denominada de Avenida Independência e situa-se atualmente em área central da cidade.
Ainda em 1867, foi lançada a pedra fundamental do edifício, situado ao lado da também em construção Igreja de Nossa Senhora da Conceição. O projeto para o novo hospital ficou a cargo do engenheiro alemão Frederico Heydtmann e a fachada foi desenhada pelo litógrafo Inácio Weingärtner. A construção ficou sob responsabilidade do mestre de obras Antônio José da Silva Porto.
O novo prédio hospitalar foi inaugurado no dia 29 de junho de 1870, dia de São Pedro, escolhido como protetor da Sociedade Portuguesa de Beneficência e do hospital. Os enfermos do antigo hospital da Rua das Figueiras foram transferidos para a nova sede.
Acervo Biblioteca Nacional
Arquivo Central do Iphan
Acervo Arquivo Histórico do RS
Acervo Biblioteca Nacional
OS PRIMEIROS MÉDICOS
Sobre os profissionais médicos que atuaram na Beneficência Portuguesa ainda no século XIX, destacamos:
Dr. João Pires Farinha, o primeiro médico a atuar na Associação, atendia os pacientes gratuitamente. O mesmo foi substituído pelo Dr. José Bernardino da Cunha Bittencourt, médico homeopata. No ano de 1873, o Dr. Philippe Caldas assume a segunda enfermaria criada no hospital, mas logo retira-se e assume em seu lugar o Dr. Luis da Silva Flores Filho.
Em 1886, há registros de dois médicos trabalhando: Dr. Manoel Martins Santos Pena e o Dr. João Damasceno Ferreira. Já em 1890, inaugura-se a seção de cirurgia, ao lado da enfermaria homeopática que ficou sob os cuidados do Dr. Joaquim Pedro Soares e de seu adjunto, Dr. João Jorge Fayet.
O Dr. Sebastião Afonso de Leão também é mencionado entre os membros do corpo clínico no final do século XIX.
A ARQUITETURA DO PRÉDIO
A edificação é caracterizada como eclética, mas com forte tendência ao estilo neoclássico, predominando os cheios - compostos por paredes robustas - sobre os vazios caracterizados com janelas e aberturas. É uma construção composta por dois pavimentos, e sua fachada é dividida em duas partes iguais, com forte simetria. A escadaria de acesso, em granito, foi trazida de Portugal, a partir de uma oferta do sócio Manuel Lopes da Costa Soares. As janelas são em arco pleno no primeiro pavimento e no segundo pavimento há porta-janelas com sacadas, tipo púlpito, em gradil de ferro. No alto do segundo pavimento, no frontão do edifício, localiza-se uma cartela com o brasão de Portugal e mastros de bandeiras.
A AURORA DO SÉCULO XX
A partir da nova sede, a Sociedade Portuguesa de Beneficência pode ampliar a sua atuação. O prédio contava, inicialmente, com duas enfermarias e dependências necessárias para o funcionamento da Instituição. Em 1871, foi instalada a primeira capela da Sociedade, situada no interior do edifício, posteriormente foi construída a segunda capela, ao lado do prédio principal.
O Hospital teve sua iluminação modificada, passando a usar “gás acetileno" e não mais óleo e querosene, em 1884. Poucas instituições do estado contavam com essa modernização, existente em Porto Alegre desde 1873.
Presente na história assistencial da cidade, a Instituição colocou-se à disposição da Câmara de Vereadores de Porto Alegre para receber os desabrigados da enchente de 1873. Há uma sequência na criação de equipamentos em prol da saúde de seus associados: em 1882, foi construída uma enfermaria para cuidar dos acometidos por doenças contagiosas; em 1890, foi criada uma seção de cirurgia, tendo o Dr. Joaquim Pedro Soares como responsável; criou-se, em 1892, a Farmácia, sob os cuidados do farmacêutico João Batista Ervedosa. Em 1907, foi adquirido um terreno junto à Irmandade São Miguel e Almas para o sepultamento dos sócios.
No prédio do Hospital, havia um Salão Nobre, situado no andar superior, no qual
foram afixados os retratos dos fundadores, beneméritos e autoridades. Neste espaço, eram realizadas as reuniões da Sociedade Portuguesa de Beneficência e do corpo médico hospitalar.
Acervo digital MUHM
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A instituição investiu não só no equipamento médico e ambulatorial, mas também nas acomodações disponíveis aos sócios, sempre na procura de oferecer o melhor atendimento.
Em 1923, a administração interna do hospital foi entregue às irmãs da Divina Providência, inaugurando uma nova fase no funcionamento da entidade, com os gabinetes de radiologia e duas modernas salas de cirurgia. As Irmãs atuaram na instituição até 1973.
A conceituada maternidade do Hospital Beneficência Portuguesa teve sua fase áurea a partir de 1936, quando passou a ter um prédio próprio na antiga Rua da Conceição, onde hoje localiza-se a escadaria lateral à Igreja Conceição e o viaduto de mesmo nome. A maternidade foi desativada entre os anos de 1985 e 1986. Muitos porto-alegrenses passaram pelos berçários da maternidade, entre eles a cantora Elis Regina, os escritores Moacyr Scliar, Luis Fernando Veríssimo, Martha Medeiros, o jornalista Lauro Quadros e entre outros.
SOCIEDADES PORTUGUESAS DE BENEFICÊNCIA NO INTERIOR DO RIO GRANDE DO SUL E SEUS HOSPITAIS
Após a fundação da Sociedade Portuguesa de Beneficência de Porto Alegre, a instituição tomou a iniciativa de criar agências beneficentes no interior da Província do Rio Grande do Sul, Foram instaladas nas cidades mais populosas da província e onde a presença de portugueses era mais forte. Tornaram-se independentes após alguns anos de funcionamento. Citam-se: Sociedade Portuguesa de Beneficência de Pelotas (1857), Sociedade Portuguesa de Beneficência de Rio Grande (1859) e a Sociedade Portuguesa de Beneficência de Bagé (1871).
Nos primeiros anos da década de 1950, firmou-se um convênio entre as Sociedades Portuguesas de Beneficência do Rio Grande do Sul. Segundo este convênio, os sócios das Sociedades de Pelotas, Rio Grande, Bagé e Porto Alegre poderiam usufruir do atendimento em qualquer um dos hospitais dessas instituições, pagando metade das despesas, uma vez que o restante seria pago pela sociedade da qual faziam parte. Podemos visualizar neste modelo um dos princípios dos planos de saúde vigentes no Rio Grande do Sul.
Novos destinos para o patrimônio da Saúde
A partir da instalação do Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul no prédio histórico do Hospital da Beneficência Portuguesa em 2007, a preservação da memória da instituição ganhou importantes aliados. Entre esses, cita-se um convênio criado entre a Associação dos Amigos do Museu da História da Medicina, o SIMERS, a Sociedade Portuguesa de Beneficência de Porto Alegre, o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul e a UNISINOS que resultou em um trabalho de organização dos documentos que possibilitaram além da preservação, o acesso e a pesquisa por parte da comunidade acadêmica .
Após esse processo foi criado o Corredor da Memória, com objetos e textos que contam a história da instituição. Os acervos arquivísticos, bibliográficos e tridimensionais foram organizados e catalogados, e estão acessíveis para pesquisa na Reserva Técnica da MUHM.
Além da preservação do acervo, o MUHM auxilia na manutenção do prédio histórico e dos elementos originais, como o piso de granitina e as pinturas murais do hall de entrada, conhecidas como falso mármore.
